#23 Sobre reeditar um livro e recomeçar a vida
Nessa edição eu conto um pouquinho sobre como eu consegui uma nova edição para minha tese de doutorado.
Oi, oi! Eu sou a Dia e essa é uma newsletter com intenção de blog. Me dedico mais às questões sobre escrita, literatura, saúde mental, mas vez ou outra você vai ler um drama desabafo pessoal também.
Este mês entrou em pré-venda a nova edição do meu livro “Incêndios da Alma: Maria de Araújo e os milagres do Padre Cícero”, texto fruto da minha tese de Doutorado em História na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
O texto original mudou pouco, na realidade, mas as extensas citações teóricas foram amenizadas e as quase 600 notas de rodapé foram reduzidas a 106 (Sim, deu um trabalhão!). Além disso, escrevi um posfácio fazendo uma breve revisão historiográfica sobre o tema nos últimos dez anos, desde a a publicação da tese em 2014 até agora.
Mas esse texto não é sobre a técnica de reeditar um livro, é sobre as supresas que a vida nos proporciona.
Em 2019 eu tirei uma licença para fazer um pós-doutorado porque precisava me afastar um pouco da Universidade. Estava frustrada com muitas coisas; cansada das burocracias que envolvem participar de um colegiado; estressada com colegas de trabalho cujo ego é maior que a competência e com estudantes que não levavam o curso a sério. Naquele ano, eu fiz uma viagem pela América Latina (Bolívia, Chile e Peru), dei aulas na pós-graduação da UFMA, casei e formatei a ideia de um livro de contos. Foi um ano intenso.
Em 2020, às vésperas de voltar pro curso, o mundo fechou por causa da pandemia da COVID 19 e fomos obrigados a dar aula online. O ensino remoto foi mais um fator estressor. Agora, passávamos horas sentados em frente à uma tela em reuniões infindáveis, cada vez mais constantes (parece que a pandemia aumentou a necessidade de “mostrar trabalho”) e me irritava que durante as aulas, quase ninguém ligava a câmera. Eu me sentia dando aula para o nada, sem a certeza que estava sendo ouvida, sem o tête-à-tête que faz com que o ensino seja, para mim, uma atividade prazerosa.
Ficamos um ano e meio assim e foi e-xaus-ti-vo. Acabei com um burnout, uma ansiedade crescente e crises de pânico que só muito recentemente cessaram por completo.
O que isso tem a ver com a publicação do meu livro? Nada e tudo.
Em 2021, uma ideia que eu tinha na cabeça desde 2019 se consolidou: eu decidi que iria encerrar a minha carreira acadêmica para me dedicar somente à escrita de ficção.
Não suporto mais a ideia de Universidade que temos no Brasil, a falta de financiamento, o sucateamento das estruturas, o baixo salário, o péssimo plano de progressão de carreira. Vamos ser honestos: ser professsor de Humanas no Brasil não está fácil (nunca foi) e eu me dei conta que posso fazer as coisas que amo fazer (pesquisar, escrever, lecionar) fora da universidade.
Aí vem o plot twist:
em 2022 eu entreguei um projeto de romance para uma agente literária e contando um pouco da minha trajetória para ela, falei da tese. Ela se interessou e me pediu uma cópia. Em menos de três meses, ela conseguiu vender o material para a Editora Planeta que agora me edita (o romance também foi vendido, mas para a Companhia das Letras e sai próximo ano) e eu me vi às voltas com meu eu de 2014 naquele texto, pensando como faria para editá-lo para uma editora mais comercial. Graças às deusas, tive uma ajuda imensurável dos meus editores (amo vocês Malu e Vitor!) e deu tudo certo.
O livro sai agora com uma ilustração lindíssima feita pela Daiane Lucio, super bem diagramado e com um caderno de imagens inédito, justamente no ano em que completa 10 anos.
Eu não poderia estar mais realizada nesse aspecto e para mim é como uma coroação da minha carreira acadêmica. Me sinto realmente pronta para recomeçar uma vida nova fora da universidade e até o final do ano (com a benção de Oyà) os ventos me levarão para outra região, outro estado, outra cidade.
Recomeçar agora é desafiador, mas aí eu penso que nunca fui de me assentar em um lugar só. Novas pesquisas e livros virão e eu não deixo de me admirar como a vida pode ser surpreendente.
Queria compartilhar minha experiência com vocês, não para desanimar quem está na Academia, mas para mostrar que há possibilidades na vida quando nos permitimos. Da minha parte, eu estou em processo de ressignificar muitas coisas, pois não quero ir embora feito quem foge, ao contrário, é uma fase da minha vida que se encerra (uma fase que começou há 20 anos, em 2004, quando entrei na graduação) e abre espaço para outra iniciar.
Encontro vocês na jornada!
Um presente para você que me lê por aqui
Deixo para você uma abertura que fiz para essa nova edição. Um gostinho do que vocês podem encontrar no livro:
Entre Anas e Marias
[…] nos dijeron, a toditos, que eso era hermoso y misterioso, que eso, morir, sacrificarte, entregar tu cuerpo a los más horribles tormentos por y para alguien, era el amor.
Mónica Ojeda
Quando eu era criança, tinha que levantar muito cedo para acompanhar minha avó na sua rotina muito peculiar de rezas e orações. Ela despertava às quatro da manhã, sem precisar de relógio, pois dizia que era acordada pelas almas dopurgatório. Ajoelhava-se em frente ao pequeno altar na sala de visitas pintada de verde-água e rezava o Ofício da Imaculada Conceição: “Agora, lábios meus, dizei e anunciai/ os grandes louvores da Virgem, Mãe de Deus./ Sede em meu favor, Ó Virgem Soberana/ livrai-me do inimigo com Vosso valor.”
Depois, íamos para a Igreja dos Franciscanos. Eu, uma criança que só queria dormir; ela, uma mulher de 1,50 metro de altura, mãos ásperas do trabalho na roça, olhos tristes de solidão e uma fé inabalável.
O ritual do Ofício se repetia ainda ao meio-dia e às 6 horas da tarde, durante o crepúsculo. Entre laudes, noas e vésperas, eu poderia dizer que minha avó era uma beata, se por beata eu entendo uma mulher devota e religiosa.
Como ela, tantas outras chegaram ao Cariri ainda crianças, movidas pela fé de seus pais, saídos de Esperança, na Paraíba – como se a crença fosse algo que passa de pai para filho (e não é?) –, para habitar as terras doces da Chapada do Araripe e confirmar a fé nos poderes milagrosos do padre Cícero.
Muitos podem achar que esses rituais e práticas não passam de mera subserviência à Igreja católica e sua hierarquia. Eu também pensava assim, até quando, muitos anos depois, eu me inquietei com a história de outra beata: a Maria de Araújo. Minha avó, como a maioria dos adventícios do Juazeiro, sabia pouco sobre essa mulher, mas, mesmo sem saber, elas tinham muito em comum. Ambas ouviam um chamado, conversavam com espíritos e acreditavam que há algo sobrenatural, divino e maravilhoso que vai muito além da nossa compreensão.
Hoje eu invejo essa capacidade de crer no mistério sem ressalvas que minha avó e a Beata Maria tinham. No entanto, como uma mulher nascida no final do século XX, eu faço a única coisa que poderia fazer para honrar a vida difícil que elas tiveram: escrevo e tento, assim, libertá-las do esquecimento.
Dia Nobre
Anota na agenda
Se você mora no Rio de Janeiro ou em São Paulo, habemus data de lançamento!
No Rio de Janeiro nos encontraremos dia 2 de agosto às 19h na Janela Livraria do Jardim Botânico (R. Maria Angélica, 171 - loja B). Mediação de Luciana Araújo Marques.
Em São Paulo eu vejo vocês no dia 8 de agosto às 19h na Livraria da Tarde (R. Cônego Eugênio Leite, 956 - Pinheiros). Mediação de Maria Carolina Casati.
Outras prosas:
O livro está com uma promoção de pré-venda, então não perde a oportunidade porque a Bárbara Carine já disse que é bom: “Um convite à reflexão acerca da importância de mulheres negras nas nossas revoluções sociais cotidianas, inclusive aquelas oriundas da fé. Incêndios da Alma é uma leitura instigante que nos prende, encanta e encoraja do início ao fim.” Bárbara Carine, autora de Como ser um educador antirracista e Querido estudante negro.
Em outro texto eu falei sobre minha trajetória na Universidade e minha experiência com a escrita nos dois ambientes (acadêmico e literário), para quem se interessar:
Agradeço demais a você que chegou até aqui. Eu adoraria saber mais o que achou da minha prosa. Você pode responder diretamente a este e-mail ou deixar um comentário.
Com amor e fé no futuro,
Dia Nobre
Muito obrigada por compartilhar isso e muito mais com todos nós, para mim você dita a esperança. As vezes dá aquela vontade de desistir de tudo e não mais existir, mas você vem e me diz com sua própria experiência de vida que as coisas podem dar certo. Muito obrigada, Dia!
Desejo todo o sucesso do mundo para você e que todos os seus sonhos e projetos se realizem. Grande abraço 🧡
parabéns pelo livro! a capa tá incrível! 👏👏👏