#18 Não esperemos pelo fim do mundo
Divagações, listas e uma tentativa de estar no presente.
Oi, oi! Eu sou a Dia e essa é uma newsletter com intenção de blog. Me dedico mais às questões sobre escrita, literatura, saúde mental, mas vez ou outra você vai ler um drama desabafo pessoal também. É o caso da carta de hoje. <3
Tem mais de um mês que não escrevo aqui e nem posso dizer que foi falta de tempo. Foi falta de cabeça mesmo. As palavras fugiram e eu cansei de correr. Minha avó sempre dizia que se você não tem nada a dizer, melhor ficar calada. Eu sempre tentei seguir esse conselho, mesmo sem muito sucesso. Às vezes, eu falo demais.
Muitas coisas aconteceram no último mês que mais foram reverberações do último ano. A vida não tem sido fácil. Minha ciclotimia piorou e estou estacionada no humor deprimido há algum tempo.
Aqui faz calor. Mudei de terapeuta. Criei uma playlist nova. Trabalhei menos do que deveria. Um amigo me escreveu perguntando porque tenho estado tão sombria e introspectiva e eu repondi em tom de brincadeira (mas não tanto) que sempre fui assim, só tenho disfarçado menos.
Enquanto a euforia não vem, tenho feito listas. Elas me dão a sensação de aterramento que preciso para perceber que apesar de tudo, estou fazendo algo e não só me consumindo na tristeza.
Sonhos
Dos mais interessantes:
Sonhei que ia a uma cartomante e ela tirava três cartas: A temperança, o Carro e o Imperador (alguma taróloga online?!). No jardim da casa haviam rosas amarelas.
Sonhei que fagocitava minha irmã dentro do útero. Ela permanece dentro de mim.
Sonhei com a Dilma Roussef me pedindo para ler Quincas Borba do Machado de Assis (ainda não li, mas estou curiosa).
Leituras
Li pouquíssimo em abril, mas dois poemas me acompanham diariamente desde março (quando publiquei a última newsletter):
se alongue
explore seu corpo
olhe para dentro
abandone alguma coisa
ou alguém.
- Thaís Campolina
Tenho de trabalhar para ganhar o meu pão meu querido Guilherme, não tenho tempo para uma paixão infeliz e complicada. - Adília Lopes (inclusive, talvez, meu próximo livro se chame: meu querido Guilherme)
Comecei o livro de contos novo da Mariana Enriquez (Un lugar soleado para gente sombría) e o conto La desgracia en la cara me gatilhou tanto que ainda não consegui voltar pro livro.
Ainda li Puro da Nara Vidal, um livro sobre eugenia e privilégio branco no sul do país; e comecei o Água Turva da Morgana Kretzmann e Copacabana Dreams da Natércia Pontes. Espero terminá-los agora em maio.
Filmes e séries
Nenhuma série me pegou ultimamente, nada memorável. Vi Baby Reinder que está no hype e não recomendo. É uma série muito violenta e vejo pessoas relativizando os abusos que o personagem sofreu. Okay, ele não é um santo, mas abuso é abuso e ele é a vítima. Não empatizo de jeito nenhum com a stalker que, inclusive, já tinha sido presa pelo mesmo crime. Vi textos apontando o fato de ela se sentir desprezada por ser gorda em um mundo padrão (e isso acontece muito!), mas sorry, no caso em questão, não vejo de que forma ela ser gorda justifica o comportamento desregulado, o caráter duvidoso e a ausência de empatia dela. Claramente, ela é uma pessoa que precisa de auxílio profissional por um transtorno psíquico que eu não tenho competência para diagnosticar.
Mas assisti duas vezes o que agora é o meu filme preferido do ano: Perfect Days do Win Wenders que me deu um quentinho no coração e um pouco de esperança e tem tudo a ver com meu novo processo terapêutico.
Terapia
Saí da análise depois de sete anos e comecei uma Terapia Comportamental Dialética. Minha nova terapeuta diz que preciso estar mais no presente, aproveitar o caminho, não deixar o café esfriar em cima da mesa, não pensar na roupa que vou vestir amanhã, não olhar para a caixa de diários que guardo no armário, olhar para dentro, me olhar com carinho, não me preocupar com as rugas que nem surgiram ainda ou com os fios brancos que terei aos sessenta.
Eu penso que o presente não existe, mas sim o devir (minha veia historiadora). Um minuto após o outro e o momento nos escapa. Eu encaro a vida como uma longa viagem com diversas paradas, talvez seja isso, afinal. Estou enjoada dessa estação e o próximo trem demora a chegar. Novamente a ansiedade pelo futuro me toma o peito.
Tento voltar ao presente/devir então:
Agora são 14:14 de um sábado. Faz sol e calor na cidade em que vivo. Penso em escrever. Preciso escrever um texto que me persegue há dias. Sento na cadeira. Organizo a mesa. Uma música me faz lembrar do rapaz que pintava as unhas de preto. Mãos e pescoço são as primeiras coisas que noto nas pessoas. A beleza é relativa à textura das mãos e à firmeza da nuca. Choro um pouquinho. Tomo água. Quem sabe agora eu possa seguir.
Algo me diz para não esperar o fim do mundo. Ele não acaba se alguém parte seu coração. Nem se seu amor não é correspondido. Nem se você está bloqueada na escrita. Nem se você não lê ou não assiste nada. Nem se esse livro não se torna um bestseller. Ele não acaba quando a tempestade passa, nem quando o sol vem com força. O mundo só acaba para quem morre e para quem deixa de sonhar e eu.
Eu ainda estou viva. E sonho.
Agradeço demais a você que chegou até aqui. Eu adoraria saber mais o que achou da minha prosa. Você pode responder diretamente a este e-mail ou deixar um comentário.
Nos vemos em breve,
Com amor e a certeza do sonho,
Dia Nobre
Oi, Dia. A tiragem de três cartas normalmente representa passado, presente e futuro (nessa ordem). A temperança, então, sugeriria que tem sido um período em suspenso, em que a calma foi necessária, mas o carro diz que você provavelmente assumiu o comando. No presente, essa é uma carta sobre fazer as coisas acontecerem e principalmente tomar decisões importantes para romper com alguns ciclos. O Imperador como terceira carta me diria que essa decisão, seja qual for, precisará ser feita pensando em você somente, o que pode parecer egoísmo, mas na verdade é auto-cuidado.
Não sou uma taróloga profissional, mas eu interpretaria assim.
Ainda estamos vivos. E sonhamos. Apesar do abismo.